Desafios da representação sindical no Brasil frente às intervenções do Poder Público
A contradição entre a liberdade e autonomia dos sindicatos, direitos fundamentais previstos na Constituição Brasileira, e a prática do sistema sindical brasileiro.

Com a promulgação da Constituição Federal de 1988, ficou consagrado no Brasil o princípio da Liberdade Sindical, que assegura às entidades sindicais a autonomia necessária para tratar os assuntos de interesse coletivo ou individuais de sua representação e do sindicalismo de uma maneira geral. É exercido principalmente por intermédio da normatização coletiva, via Convenções e Acordos Coletivos de Trabalho.
Além da citada normatização, a Carta Magna em seu artigo 8º determina que é livre a associação em sindicato, profissional ou empresarial, sem que se exija do Estado autorização para a fundação, vedadas também a interferência e a intervenção do Poder Público na atividade sindical.
E justamente a intervenção do Poder Público na atividade sindical é o ponto focal da presente análise.
Liberdade sindical e autonomia das entidades
O Direito Coletivo do Trabalho no Brasil vive em eterna contradição. A liberdade e autonomia dos sindicatos, direitos fundamentais previstos na Constituição Brasileira, não refletem a prática do sistema sindical brasileiro.
E nesse cenário de incertezas e insegurança jurídica que vivem as entidades sindicais. A Consolidação das Leis do Trabalho data de 1.943 e ainda possui em seu texto vigente mais de 100 artigos dedicados à organização sindical, muitos deles ultrapassados e que acabam por criar ainda mais dificuldades.
A liberdade sindical pressupõe a possibilidade de os trabalhadores e empregadores se organizarem em sindicatos, para realizar a gestão de sua representação. Entretanto, até mesmo a definição das categorias econômicas e profissionais ainda está disciplinada na CLT.
Unicidade sindical
As entidades sindicais tem também o desafio de serem reconhecidas como representativas de suas categorias. Isto porque o texto constitucional, além de prever a autonomia e liberdade sindicais, traz em seu bojo também o princípio da unicidade sindical.
O inciso II do artigo 8º da Constituição determina que não seja permitida a criação de mais de um sindicato representante da mesma atividade econômica ou profissional, dentro da mesma base territorial, que não pode ser inferior a um município.
Como o sistema sindical brasileiro pressupõe a vinculação automática de trabalhadores e empregadores às entidades sindicais, a unicidade sindical complementa a regra ao determinar que estejam todos representados pelo sindicato de sua categoria e região.
Encontramos aqui mais um desequilíbrio, já que existe a previsão de que ninguém será obrigado a filiar-se ou a manter-se filiado a sindicato (inciso V do artigo 8º). Ou seja, as empresas e empregados estão automaticamente vinculados aos sindicatos. As ações das entidades, especialmente as convenções coletivas de trabalho, são aplicáveis para as atividades por eles exercidas mesmo que optem por não se associar.
Para efetividade do princípio da unicidade sindical, é de extrema importância que os sindicatos tenham segurança jurídica para atuar em prol de seus representados, uma vez que são entidades que tem a prerrogativa exclusiva de representação no âmbito das relações de trabalho.
A atuação do Poder Público
As incertezas pelas quais passam as representações sindicais de empregadores e empregados se iniciam com as questões submetidas à Justiça do Trabalho, que por inúmeras vezes não permitem que as entidades trabalhem de maneira autônoma, respeitando a liberdade constitucional.
A recente discussão acerca da obrigatoriedade do recolhimento das contribuições assistenciais vinculadas às negociações coletivas é um claro exemplo, pois envolve tema diretamente afeto à negociação coletiva, que em tese não poderia ser regulado pela via judicial. Cabe às entidades, dentro de suas prerrogativas de representação, normatizar o valor, forma de pagamento e de exercício do direito de oposição.
Mas o assunto há muitos anos está na pauta do Judiciário, com o STF inicialmente reconhecendo que as contribuições não eram obrigatórias. A mudança de posição veio no sentido de torna-las obrigatórias, porém prevendo a obrigatoriedade de se estabelecer o direito de oposição.
Ora, se o princípio da liberdade sindical fosse seguido à risca no Brasil, o tema seria discutido exclusivamente no ambiente das assembleias sindicais e a obrigatoriedade e direito de oposição seriam definidos pelos únicos interessados, que são os trabalhadores e empregadores representados pelas entidades.
É uma clara intervenção do Judiciário na atividade sindical, que vai na contramão da autonomia e liberdade previstos no texto constitucional.
A recente Proposta de Emenda Constitucional, que busca limitar a jornada de trabalho em 8 horas diárias e 36 horas semanais, é mais um exemplo claro da interferência do Poder Público na atividade sindical. A flexibilização das relações de trabalho já é prerrogativa das entidades sindicais via negociação coletiva independente de legislação. A prevalência do negociado sobre o legislado, prevista na Lei nº 13.467/2017, reafirma o texto constitucional nesse particular.
Nesse caso não é o Poder Judiciário, mas sim o Poder Legislativo que está interferindo em prerrogativa das entidades sindicais. Como haverá o reconhecimento e a valorização das negociações coletivas, e por consequência da liberdade sindical, se há a pretensão de se alterar o texto constitucional e criar limites para as negociações que tratam a jornada de trabalho?
Esses são apenas dois exemplos, muito recentes, da interferência do Poder Público na atividade sindical. Mas poderiam ser citados inúmeros outros no decorrer das ultimas décadas, após a promulgação da Constituição Federal em 1.988.
Conclusão
A importância do movimento sindical na estrutura das relações de trabalho brasileira é inegável. A legislação pátria concede às entidades prerrogativas únicas de representação que as tornam peça fundamental para o equilíbrio das relações de trabalho, com liberdade e autonomia. Esses são princípios essenciais para que se faça valer a previsão da Carta Magna quando estabelece as diretrizes de atuação sindical.
Os sindicatos não podem ficar à mercê de decisões judiciais e propostas legislativas que aumentam a insegurança jurídica e tiram a credibilidade das organizações em sua representação.
Como é possível negociar regras que atendam as demandas de empresas e empregados e vê-las anuladas por decisão judicial posterior? Ou ainda, qual a segurança em negociar um tema que está sendo discutido em um Projeto de Lei?
Somente com segurança jurídica as entidades poderão exercer a sua representação de maneira efetiva, dentro dos limites e previsões constitucionais. A norma constitucional deve servir exclusivamente como um norte para a organização sindical, de maneira ampla, deixando a cargo dos sindicatos o ajuste das regras específicas de interesse de seus representados, de acordo com as especificidades regionais e de atividades.
A liberdade e autonomia para regulação das relações de trabalho por empregadores e trabalhadores é direito fundamental, que deve ser exercido por organismos por eles organizados.
Por: Dr. Rafael Souza Arruda, Assessor Jurídico da Fecomércio